Falta de estrutura,
corpos enterrados por engano, aparelhos sucateados, laudos necroscópicos
incompletos. Os antigos e aparentemente insolúveis problemas do Instituto
Técnico-Científico de Polícia (ITEP/RN) serão tema de uma audiência pública na
próxima terça-feira. Representantes do Ministério Público Estadual (MPE),
Sindicato dos Policiais Civis e Servidores da Segurança Pública (SINPOL),
servidores de carreira do Instituto, direção geral e coordenadores, discutirão
as históricas e também atuais dificuldades do órgão.
Durante a audiência,
o promotor responsável pela Controladoria Externa da Atividade Policial,
Wendell Beetoven Ribeiro Agra, irá apresentar o resultado das investigações
iniciadas há seis anos, com a instauração do inquérito civil 001/2006. "O
Itep é hoje o órgão mais desorganizado e ineficiente do sistema estadual de
segurança. O Instituto não tem lei orgânica, que é a definidora da estrutura do
órgão. Hoje é feito por leis antigas e não estão adequadas à atual
Constituição", declarou o promotor.
Ele cita que o órgão
não dispõe de novas técnicas periciais para o esclarecimento de crimes
complexos, cuja ajuda da ciência e da tecnologia são indispensáveis. "Com
o uso da ciência, os depoimentos testemunhais chegam a ser até
desnecessários", afirmou Wendell. Para os promotores que atuam em
processos criminais, a prova científica é imprescindível à elucidação de um
crime e, consequentemente, à incriminação de um suspeito. Tanto para Wendell
Beetoven como para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis e Servidores
da Segurança Pública (SINPOL), Djair Oliveira, o combate à criminalidade está
diretamente ligado ao funcionamento otimizado da Polícia Técnica.
As cobranças
relacionadas à melhoria da estrutura do Itep em todo o Rio Grande do Norte são
antigas. O ofício 065/2003, assinado pelo então promotor de justiça do
município de Cruzeta, Morton Luiz Faria de Medeiros, apontou falhas nas
perícias criminais em um homicídio ocorrido na cidade e pedia providências
imediatas para a base do Itep em Caicó. "Dentre os principais problemas,
figuram a ausência de foto do cadáver, a insistência do uso da figura do
"perito revisor", a ausência quase completa da análise
criminalística, morosidade na realização de exames e precariedade de
informações consignadas no laudo", relatou o promotor à época.
Quase dez anos
depois, a situação é praticamente a mesma e não se resume ao Instituto baseado
em Caicó. Em Natal e Mossoró, os necrotomistas utilizam facas peixeira para
realizarem a abertura dos corpos a serem autopsiados. Este, porém, não é o
único improviso. Na sede do Itep, em Natal, os aparelhos utilizados para a
realização dos exames cadavéricos são acondicionados em locais sem proteção. No
Laboratório de Toxicologia, as seringas utilizadas em testes para identificação
de substâncias voláteis em amostras de sangue, vísceras, urinas e tecidos
(compostos celulares), são descartadas em uma garrafa pet.
"O Itep funciona
hoje como funcionava há 50 anos", ressalta Wendell Beetoven. De acordo com
ele, "à medida que o Instituto funciona mal, somente o criminoso é quem se
beneficia". Além dos problemas relacionados aos Setores de Criminalística,
Toxicologia e Perícias, há também o acúmulo de serviço na Coordenadoria de
Identificação (CODIM). Quase todos os dias, uma longa fila se forma na calçada
do prédio formada basicamente por pessoas que necessitam retirar a segunda via
do Registro Geral (RG). Para o diretor-geral do Instituto, Nazareno de Deus
Medeiros Costa, a situação melhorou um pouco nos últimos meses.
"Ainda é muito
difícil, mas melhorou. O principal problema é estrutural. O prédio se tornou
pequeno com uma estrutura suficiente", ressaltou o diretor. Ele aponta
como melhorias, a aquisição de uma nova câmara frigorífica para
acondicionamento dos corpos, computadores, impressoras e 14 veículos (entre
caminhonetes e carros de passeio utilizados nas perícias).
Inquérito aponta
irregularidades do Itep
Um dos anexos do
inquérito civil 001/2006 do Núcleo de Controle da Atividade Policial (NUCAP)
relaciona uma série de irregularidades identificadas no Instituto
Técnico-Científico de Polícia (ITEP/RN) ao longo dos anos. A maioria das falhas
refere ao sepultamento irregular de corpos que foram recolhidos pelo Instituto
com identificação e encaminhados para sepultamento como se fossem não
identificados (N.I.).
O documento cita o
exemplo de Edmundo Pessoa Cavalcanti, cujo corpo foi recolhido pelo Instituto
no dia 7 de setembro de 2009 com identificação e sepultado dois dias depois
como não-identificado (N.I.). O erro só foi detectado quando a irmã da vítima,
Eliane Pessoa de Oliveira, reclamou o corpo do irmão junto ao órgão e levou o
caso ao conhecimento do Ministério Público Estadual. Somente após uma
autorização judicial para a exumação do cadáver, a família pode realizar o
funeral.
Consta ainda nos
autos, o termo de reclamação 006/2004. O autônomo Ivanildo Alves Patrício,
morto em janeiro de 2004 em decorrência de uma descarga elétrica em Ponta
Negra, foi enterrado pelo Itep como não-identificado. De acordo com o relato de
familiares anexado aos autos, a vítima havia saído de casa portando documentos.
O Itep reconheceu a identificação do homem quando questionado a respeito do
sepultamento irregular. Dois dias depois, os restos mortais de Ivanildo foram
exumados e entregues aos familiares.
Itep recebe corpos de
morte não natural
De acordo com o
Código Penal brasileiro, a vítima de morte não natural deve ser encaminhada ao
Instituto para que o corpo seja necropsiado. Médicos não-legistas são impedidos
de expedir um atestado de óbito, documento insubstituível para realização de
sepultamentos, cremação, liberação de seguro de vida e até mesmo traslado do
corpo em caso de sepultamentos em outros estados. Nos casos em que os médicos
não conseguem identificar a causa da morte de algum paciente ou a morte seja
juridicamente suspeita, o cadáver precisa ser enviado ao Itep para ser
investigado.
Ainda de acordo com a
lei, os corpos devem permanecer sob a responsabilidade do Instituto por um
período máximo de 45 dias. De acordo com os parágrafos 2° e 3°, inciso 2°,
artigo 3°, da lei 8.501, apenas os cadáveres de morte natural devem ser
encaminhados a estudo e pesquisa em escolas de Medicina. Quase todos os corpos
não identificados que estão hoje no Itep são de homens cujas mortes foram
violentas e/ou a esclarecer. Os exames realizados no Laboratório de Toxicologia
do Itep/RN são imprescindíveis à identificação da causa mortis.
No Laboratório de
Toxicologia, é possível realizar diversos exames para identificação de
substâncias ilícitas nos corpos, por exemplo. Os bioquímicos extraem parte das
vísceras, tecidos (composto celular) ou sangue para serem analisados
microscopicamente. No Setor de Criminalística, os peritos vasculham pistas para
a identificação do assassino através da realização de perícias em armas e
projéteis recolhidos em cenas de crime ou retirados dos corpos. Há ainda, os
serviços de Odontologia Legal e Psicologia Forense, que subsidiam a elucidação
de crimes de maior complexidade, identificam ossadas e emitem laudos
psicológicos de assassinos e vítimas de violência.
Fonte: Tribuna do Norte
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