Páginas

sábado, 31 de março de 2012

Itep-RN ainda nos tempos da faca-peixeira


Falta de estrutura, corpos enterrados por engano, aparelhos sucateados, laudos necroscópicos incompletos. Os antigos e aparentemente insolúveis problemas do Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP/RN) serão tema de uma audiência pública na próxima terça-feira. Representantes do Ministério Público Estadual (MPE), Sindicato dos Policiais Civis e Servidores da Segurança Pública (SINPOL), servidores de carreira do Instituto, direção geral e coordenadores, discutirão as históricas e também atuais dificuldades do órgão.

Durante a audiência, o promotor responsável pela Controladoria Externa da Atividade Policial, Wendell Beetoven Ribeiro Agra, irá apresentar o resultado das investigações iniciadas há seis anos, com a instauração do inquérito civil 001/2006. "O Itep é hoje o órgão mais desorganizado e ineficiente do sistema estadual de segurança. O Instituto não tem lei orgânica, que é a definidora da estrutura do órgão. Hoje é feito por leis antigas e não estão adequadas à atual Constituição", declarou o promotor.

Ele cita que o órgão não dispõe de novas técnicas periciais para o esclarecimento de crimes complexos, cuja ajuda da ciência e da tecnologia são indispensáveis. "Com o uso da ciência, os depoimentos testemunhais chegam a ser até desnecessários", afirmou Wendell. Para os promotores que atuam em processos criminais, a prova científica é imprescindível à elucidação de um crime e, consequentemente, à incriminação de um suspeito. Tanto para Wendell Beetoven como para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis e Servidores da Segurança Pública (SINPOL), Djair Oliveira, o combate à criminalidade está diretamente ligado ao funcionamento otimizado da Polícia Técnica.

As cobranças relacionadas à melhoria da estrutura do Itep em todo o Rio Grande do Norte são antigas. O ofício 065/2003, assinado pelo então promotor de justiça do município de Cruzeta, Morton Luiz Faria de Medeiros, apontou falhas nas perícias criminais em um homicídio ocorrido na cidade e pedia providências imediatas para a base do Itep em Caicó. "Dentre os principais problemas, figuram a ausência de foto do cadáver, a insistência do uso da figura do "perito revisor", a ausência quase completa da análise criminalística, morosidade na realização de exames e precariedade de informações consignadas no laudo", relatou o promotor à época.

Quase dez anos depois, a situação é praticamente a mesma e não se resume ao Instituto baseado em Caicó. Em Natal e Mossoró, os necrotomistas utilizam facas peixeira para realizarem a abertura dos corpos a serem autopsiados. Este, porém, não é o único improviso. Na sede do Itep, em Natal, os aparelhos utilizados para a realização dos exames cadavéricos são acondicionados em locais sem proteção. No Laboratório de Toxicologia, as seringas utilizadas em testes para identificação de substâncias voláteis em amostras de sangue, vísceras, urinas e tecidos (compostos celulares), são descartadas em uma garrafa pet.

"O Itep funciona hoje como funcionava há 50 anos", ressalta Wendell Beetoven. De acordo com ele, "à medida que o Instituto funciona mal, somente o criminoso é quem se beneficia". Além dos problemas relacionados aos Setores de Criminalística, Toxicologia e Perícias, há também o acúmulo de serviço na Coordenadoria de Identificação (CODIM). Quase todos os dias, uma longa fila se forma na calçada do prédio formada basicamente por pessoas que necessitam retirar a segunda via do Registro Geral (RG). Para o diretor-geral do Instituto, Nazareno de Deus Medeiros Costa, a situação melhorou um pouco nos últimos meses.

"Ainda é muito difícil, mas melhorou. O principal problema é estrutural. O prédio se tornou pequeno com uma estrutura suficiente", ressaltou o diretor. Ele aponta como melhorias, a aquisição de uma nova câmara frigorífica para acondicionamento dos corpos, computadores, impressoras e 14 veículos (entre caminhonetes e carros de passeio utilizados nas perícias).

Inquérito aponta irregularidades do Itep

Um dos anexos do inquérito civil 001/2006 do Núcleo de Controle da Atividade Policial (NUCAP) relaciona uma série de irregularidades identificadas no Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP/RN) ao longo dos anos. A maioria das falhas refere ao sepultamento irregular de corpos que foram recolhidos pelo Instituto com identificação e encaminhados para sepultamento como se fossem não identificados (N.I.).

O documento cita o exemplo de Edmundo Pessoa Cavalcanti, cujo corpo foi recolhido pelo Instituto no dia 7 de setembro de 2009 com identificação e sepultado dois dias depois como não-identificado (N.I.). O erro só foi detectado quando a irmã da vítima, Eliane Pessoa de Oliveira, reclamou o corpo do irmão junto ao órgão e levou o caso ao conhecimento do Ministério Público Estadual. Somente após uma autorização judicial para a exumação do cadáver, a família pode realizar o funeral.

Consta ainda nos autos, o termo de reclamação 006/2004. O autônomo Ivanildo Alves Patrício, morto em janeiro de 2004 em decorrência de uma descarga elétrica em Ponta Negra, foi enterrado pelo Itep como não-identificado. De acordo com o relato de familiares anexado aos autos, a vítima havia saído de casa portando documentos. O Itep reconheceu a identificação do homem quando questionado a respeito do sepultamento irregular. Dois dias depois, os restos mortais de Ivanildo foram exumados e entregues aos familiares.

Itep recebe corpos de morte não natural

De acordo com o Código Penal brasileiro, a vítima de morte não natural deve ser encaminhada ao Instituto para que o corpo seja necropsiado. Médicos não-legistas são impedidos de expedir um atestado de óbito, documento insubstituível para realização de sepultamentos, cremação, liberação de seguro de vida e até mesmo traslado do corpo em caso de sepultamentos em outros estados. Nos casos em que os médicos não conseguem identificar a causa da morte de algum paciente ou a morte seja juridicamente suspeita, o cadáver precisa ser enviado ao Itep para ser investigado.

Ainda de acordo com a lei, os corpos devem permanecer sob a responsabilidade do Instituto por um período máximo de 45 dias. De acordo com os parágrafos 2° e 3°, inciso 2°, artigo 3°, da lei 8.501, apenas os cadáveres de morte natural devem ser encaminhados a estudo e pesquisa em escolas de Medicina. Quase todos os corpos não identificados que estão hoje no Itep são de homens cujas mortes foram violentas e/ou a esclarecer. Os exames realizados no Laboratório de Toxicologia do Itep/RN são imprescindíveis à identificação da causa mortis.

No Laboratório de Toxicologia, é possível realizar diversos exames para identificação de substâncias ilícitas nos corpos, por exemplo. Os bioquímicos extraem parte das vísceras, tecidos (composto celular) ou sangue para serem analisados microscopicamente. No Setor de Criminalística, os peritos vasculham pistas para a identificação do assassino através da realização de perícias em armas e projéteis recolhidos em cenas de crime ou retirados dos corpos. Há ainda, os serviços de Odontologia Legal e Psicologia Forense, que subsidiam a elucidação de crimes de maior complexidade, identificam ossadas e emitem laudos psicológicos de assassinos e vítimas de violência.

Fonte: Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário