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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Falando de Amor


Hoje trago para meu blog um texto que gostei muito: uma crônica do poeta, cronista, jornalista e professor Fabrício Carpinejar: escritor arrojado, moderno e sem medo de mostrar ser possuidor de uma alma sensível. Escreve de uma maneira deliciosa.

Com vários livros publicados, Carpinejar também escreve no jornal Zero Hora de Porto Alegre.
Vencedor do Prêmio Jabuti (2009) com o livro  Canalha!.
Mulher Perdigueira - ganhou o prêmio Açorianos (2010).
O Amor esquece de começar (2006), Borralheiro (2011).
É filho do poeta Carlos Nejar - membro da Academia Brasileira de Letras.

Fiquem com a crônica e me digam se não é bem assim quando se ama: quando se ama verdadeiramente,  o outro passa a ser  a  nossa prioridade.


DORMINDO SEMPRE JUNTOS, NA MESMA HORA
(Carpinejar)

Quando sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela? Você é apaixonado por dividir, desculpe informar. É constrangedor confessar a dependência, mas não resta alternativa.
Nunca será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos, que surge no modo de repartir uma tangerina e pôr o açúcar no café. Uma necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades.

Entregou os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento de atender ao chamado sedutor de sua esposa.
- É tarde, te espero?
Aquela desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar. Sincronizaram o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo.

Amor eterno é quando um não consegue mais dormir sem o outro. Simples assim. Deseja descansar, convoca sua mulher na sala.
- Vem, tá na hora!
E ela, que estava envolvida com um filme ou um programa de tevê, nem reclama, nem diz mais um minutinho, ajeita os ombros no cobertor do seu abraço e segue junto.

Lado a lado no espelho do banheiro, escovam os dentes, ajeitam o rosto, colocam roupas folgadas. Reina uma sincronia dos movimentos, uma disciplina na admiração. Alguns até confundem com tédio, porém, é intimidade: não precisa falar para se entender. Se silêncio com ódio é submissão, silêncio com ternura é concordância.

Escoteiros do casamento, entram no mar branco dos lençóis cada um do seu lado: ela pela margem esquerda, ele pela margem direita. E centram os corpos para fazer conchinhas encostando as cabeças.

Um casal apaixonado ocupa menos do que uma cama de solteiro: terminam agarrados, sobrepostos.

Você se dá conta de que não deita mais sozinho há décadas. É uma compulsão olfativa. Está no escritório trabalhando de madrugada e ela abre a porta para convidá-lo:
- Vem, tá na hora!
E não estranha a ordem, obedece, sequer medita sobre o motivo da adesão. Vai sem preguiça alguma, sem aviso de bocejo, ainda que não esteja com vontade, ainda que tenha uma porção de tarefas e problemas a resolver. Larga as urgências pela metade e se prontifica a acompanhá-la.

Casal quando se ama dorme na mesma hora. E não suportará morrer longe. O sonho é também morrer na mesma hora. Com as respirações próximas.

Um comentário:

  1. Sem palavras!!! Talvez, por pura ousadia, atrevo-me a ratificar que Carpinejar é, sem dúvida, "um ser possuidor de uma alma sensível" e, por isso, o parabenizo, assim como seus seguidores... Bravo!!!

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