A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou no dia 11 de abril o projeto que prevê a chamada ‘desaposentação’. O projeto tem como objetivo garantir ao aposentado que continua trabalhando o direito de ter o valor do benefício revisado e ampliado. A questão é que a medida não é vista com bons olhos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e pelo Ministério da Previdência, que nem cogitam a hipótese do projeto virar lei. “A orientação do governo é de que esse não é um projeto que a gente apoie. Então a gente não discute nem as nunces dele”, afirma Lindolfo Sales, presidente do INSS. O governo, relembra Lindolfo, ainda não reconhece o direito de recalcular a aposentadoria. Quem quer revisar o valor tem que entrar na Justiça. Segundo reportagem veiculada pelo Jornal Hoje, da Globo, há cerca de 24 mil ações desse tipo nos tribunais. Em entrevista concedida à TRIBUNA DO NORTE, durante seminário sobre o INSS em Natal, na semana passada, Lindolfo comenta este e outros assuntos polêmicos, como o fator previdenciário. Confira os principais trechos.
Alex Régis
Lindolfo Sales é presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)
Lindolfo Sales é presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)Como a Previdência Social enxerga a desaposentação? A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou o projeto no último dia 11...
O projeto ainda está no Senado e possivelmente irá a plenário – será submetido ao voto dos senadores.
Tem prazo para ele ser votado?
Não há prazo para ser votado. O processo legislativo tem todo um ritual próprio. Mas a posição do INSS em relação a essa questão é a mesma do Ministério da Previdência. Nós entendemos que a desaposentação foge à filosofia do sistema de partição – neste sistema, quem está na ativa contribui para a aposentadoria de quem já se aposentou. O governo não lhe obriga a se aposentar. É uma decisão sua. Então como você se aposenta e depois quer desaposentar? Vamos supor que eu tenha me aposentado aos 55 anos, o fator previdenciário – que reduz o valor da aposentadoria de quem se aposenta precocemente - vai me pegar fortemente. Então se eu volto ao mercado de trabalho e decido me aposentar novamente aos 66, aos 66 não serei mais atingido pelo fator. Mas de 55 a 66 eu recebi uma aposentadoria. Eu vou devolver esse dinheiro corrigido aos cofres públicos?
Então a Previdência não é a favor da desaposentação...
A Previdência não vê isso como possível, dentro do sistema desenhado hoje no Brasil. Teria-se que modificar toda a filosofia. A gente não pode ser casuístico.
Mas pode ser que o projeto seja votado e aprovado pelo Senado. Neste caso, como seria a implementação?
A par desta questão filosófica do sistema, existe o impacto financeiro que seria muito grande e que nós não temos os números exatos ainda. Hoje nós concedemos 30 milhões de benefícios por mês no Brasil. Então qualquer número traz impactos muito grandes para a Previdência. Não é uma coisa simples.
A desaposentação pode aumentar o déficit da Previdência, que fica sempre na casa dos bilhões?
Pode, com certeza.
Em quanto?
Não sabemos dizer, porque esse cálculo não é tão simples de ser feito. Eu não sei quantas pessoas que se aposentaram estão de volta ao mercado de trabalho; quantas pessoas que voltaram ao mercado de trabalho gostariam de recalcular a aposentadoria. Existe uma série de variáveis que envolvem cálculos complexos.
Mas para o segurado é vantajoso. Com a aprovação do projeto, ele poderia trocar uma aposentadoria por outra maior...
Se o último salário tiver sido mais elevado. Se tiver sido. Principalmente, quem se aposentou antes, por conta do fator previdenciário. Não sei, no entanto, se seria justo para todos os segurados. Hoje nós temos cerca de 16 milhões de aposentados no Brasil. Então desses 16 milhões, não sei quantos estão no mercado e quantos teriam interesse em desaposentar. Mas nesse caso ele teria que devolver o que recebeu, e corrigido. Não é simples não. Não é só dizer: vou me desaposentar para ganhar mais. Tem muitas coisas que não estão claras.
E a devolução da aposentadoria? É algo que já está sendo discutido pelo Senado ou é uma ideia da Previdência Social?
Não, não. A orientação do governo é de que esse não é um projeto que a gente apoie. Então a gente não discute nunces dele. Eu estou só falando em termos de hipótese.
Por falar em déficit da Previdência - diferença entre o que é recolhido e o que é gasto - a quantas anda o descompasso entre receita e despesas da Previdência?
A Previdência Social registrou, em 2012, um déficit de R$ 42,3 bilhões. A arrecadação acumulada no ano foi de R$ 283,7 bilhões. Já a despesa fechou 2012 em R$ 326 bilhões, considerando as duas clientelas da Previdência: a urbana e a rural. É do campo que advém boa parte do déficit da Previdência. Se considerássemos apenas o regime urbano não haveria déficit, ainda.
O que esse descompasso entre receita e despesas acarreta?
O que ocorre é o seguinte: o INSS administra o RGPS, que é o Regime Geral da Previdência Social. Esse regime tem um fundo, que ainda não está completamente regulamentado e que tem suas próprias receitas – contribuições previdenciárias, alguns impostos, imóveis da Previdência e a dívida ativa previdenciária. Ocorre que em função de termos incorporado não só os segurados que contribuíram, mas os que não contribuíram, a receita do fundo fica bem inferior as despesas. Desta forma o dinheiro que entra mensalmente é menor do que sai. Para cobrir essa diferença, o Orçamento Geral da União destina recursos para o fundo. É o governo federal que complementa o fundo para fazermos os pagamentos, com o dinheiro que arrecada dos impostos.
Se não houvesse essa diferença, o Governo poderia usar esse dinheiro para investir em áreas como Educação e Saúde?
É isso. O dinheiro que o governo federal destina para cobrir o déficit da Previdência chega a ser o equivalente ao orçamento de Ministérios como o da Educação ou da Saúde, por exemplo. É por isso que o Brasil investe pouco. Porque tem esse déficit.
E por isso a Previdência está tão preocupada em fazer ajustes...
Exatamente.
E o fator previdenciário, ele não deveria inibir aposentadorias precoce e amenizar esse descompasso?
O fator previdenciário não é de fácil solução. Tanto que está aí há anos e não se encontra uma saída para ele. Não temos hoje uma alternativa que seja consensual no governo e no Congresso. O assunto permanece em debate.
Para resolver os problemas da Previdência, precisa-se de soluções grandes ou mudanças pequenas, mas graduais?
Olha, eu acho que mudanças pequenas, mas graduais. A legislação previdenciária brasileira é muito complexa. Eu acho que do ponto de vista de reforma, vamos atacando por etapas, como foi a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal que equaciona a longo prazo o déficit da Previdência.
O senhor disse que se considerássemos apenas o regime urbano, não haveria déficit, ainda. Mas por que ‘ainda’?
Porque a pirâmide etária no Brasil está mudando. Há 20 anos, o Brasil era um país de jovens. Havia muita gente jovem trabalhando para pouco aposentado. E agora tem muita gente aposentada e vivendo mais. As regras da Previdência precisam se ajustar a isso. Como nós tínhamos folga, as regras eram muito concessivas. Existem algumas iniquidades que precisam ser corrigidas, principalmente no que se refere à pensão.
E elas já começaram a ser corrigidas?
Isso está mapeado e está sendo discutido dentro do Ministério da Previdência. Faz parte de discussões da políticas da Previdência.
Esses ajustes já começaram a ser feitos?
Não, porque isso depende de modificação de legislação.
Outro assunto que ocupou o centro dos debates é a PEC das domésticas, que estende aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos já garantidos aos outros trabalhadores. Como o INSS e a Previdência enxergam a promulgação da PEC das Domésticas e como esse projeto mexe com o INSS?
Eu considero um avanço. Agora logicamente que alguns ajustes terão que ser feitos, porque o empregador não é uma empresa, é uma pessoa física, que não dispõe dos recursos que uma empresa dispõe para administrar essa questão. Mas soluções serão encontradas.
Mas e as propostas que mexem com os encargos a serem pagos e reduzem os custos para empregadores domésticos? Elas não mexem com os cofres do INSS?
Eu não quero crer nisso, porque haverá a inclusão de mais empregadas no mercado de trabalho formal.
As propostas que reduzem os encargos não teriam nenhum impacto nas contas do INSS?
Não acredito não.
O senhor acredita em aumento da formalidade da categoria?
Num primeiro momento os empregadores e empregados podem até sentir receio. Mas depois isso vai ser absorvido. É assim em qualquer parte do mundo.
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