
Está aberta a
temporada do forró. Passado o alvoroço carnavalesco, poeira e confetes
varridos, é a vez da sanfona. Ou pelo menos dos preparativos. É que esta é a
época em que as bandas e artistas do gênero preparam para gravar ou lançar
novos trabalhos visando um grande hit para o São João. Mas a realidade é
diferente conforme o "porte" da banda ou cantor. Na verdade, mesmo o
forró se distingue em sonoridades, propostas e estruturas bem dispares. E o primo
rico da história nem sempre é o mais genuíno forró. Ora, se a guitarra já se
mistura à zabumba na modernidade dos dias, ainda há quem prefira matar a fome
com tareco e mariola, fazendo versos dedilhados na viola por entre os becos do
velho vassoural, do que cair, beber e levantar.
De lucros,
sonoridades e estruturas tão diferentes, o forró criou mundos diferentes dentro
do mesmo gênero. De um lado, compositores, intérpretes e trios, discípulos de
Luiz Gonzaga e da formação original do forró: triângulo, zabumba e sanfona -
muitos com acréscimos sutis de instrumentos elétricos ou de cordas. Essa ala
forrozeira tem público cativo e vive de um leque generoso de antigos e
consagrados sucessos. Isso porque as rádios fecharam as portas para o velho e
sempre atual forró, dito pé-de-serra. A grana vem dos shows, de apresentações
em casas que ainda primam por esse tipo de som. Mas sem mídia, assessorias ou
pagamento de "jabá" às rádios, os shows são insuficientes para
emplacar novos hits. E esses artistas vivem do passado ainda prestigiado.
Do outro lado estão
as bandas herdeiras do Mastruz com Leite - banda que, sobretudo no início, se
notabilizou por farta instrumentalização elétrica aliada à sanfona e com letras
que ainda abordavam costumes nordestinos, a exemplo de Noda de caju, Onde canta
o sabiá ou Meu vaqueiro meu peão. Som modernoso, dançarinas de shorts curtos,
coreografias e melodias atrativas provocaram o público para um novo som, uma
nova proposta. E das casas de show lotadas ao estouro nas rádios foi um pulo. E
da superestrutura midiática vieram no rastro uma explosão de novas bandas. E
para galgar espaço na concorrência e atrair o olhar do público, surgiram
distorções conceituais e letras consideradas apelativas pelos artistas mais
antigos.
Nordeste
Os cenários e
costumes sertanejos/nordestinos estiveram presentes nos forrós e baiões de Lua
Gonzaga. O Mastruz Com Leite inovou as composições acrescentando mais
romantismo, com estórias de amores perdidos, iludidos, mas inseridos no
contexto da realidade nordestina, como em Baião de dois: "Tá de manhã no
curral/ Tomar um leite mais puro/ Cantar varrendo o muro/ Do nosso quintal/
Colher tomate, cebola/ Banho de açude, almoçar/ De noite um bom baião de dois/
Pra que deixar pra depois/ Se a gente pode se amar?". E foi essa fórmula
mais romântica e jovial o segredo do sucesso. Mas os "elementos
químicos" da fórmula foram distorcidos. E para também atingir o público
mais elitizado, as composições se inovaram:
"Meu celular
tocou/ Minha mulher ficou olhando/ E eu fiquei só enrolando/ Sem poder
atender.// Meu celular tocou/ E era as negas me ligando/ Já farreando/ Me
chamando pra beber". A letra é do maior fenômeno do forró natalense, a
banda Cavaleiros do Forró. E segue uma linha de sucesso já com penetração no
Sul do país, embasada na realidade do "playboy" (garoto rico) que tem
carrão, gosta de "farra" e passa "chifre" na mulher.
"O importante é
o povo ser feliz"
A realidade desses
dois mundos é tão diferente que se os esquecidos pela mídia massiva gravam
discos nesta época tentando emplacar um sucesso até o São João, as mega bandas
de forró sequer gravam mais CD. "Diante do novo momento da indústria
fonográfica é o comum entre bandas de grande porte. O que fazemos é incluir uma
ou duas músicas inéditas ao mês, em um CD, para lançar no show. Com essa
fórmula a música dura até um ano", comenta o empresário Alex Padang, dono
das bandas natalenses Cavaleiros do Forró, Forró da Pegação e empresário da
Deixe de Brincadeira.
E com o efêmero, o
passageiro, que as bandas atuais trabalham. Se o "sucesso" de hoje
dura um ano, os compositores antigos ainda se sustentam de músicas de até
décadas passadas. "Chegam mais de mil músicas para o 'Cavaleiros' todo
ano. Usamos da sensibilidade para escolher o repertório da banda. Consultamos
duas, quatro pessoas, e de realidades sociais diferentes, porque o forró atinge
o público de A a Z, e definimos". E nessa levada, o 'Cavaleiros' alcançou
o status e uma das maiores bandas de forró do país. "Hoje, em Minas
Gerais, por exemplo, só se conhece o forró por causa dessas bandas, ou dos
primeiros compositores, como Gonzagão e Dominguinhos", aponta.
Para Alex Padang, as
novas bandas reacenderam a chama de um forró já apagado. "Antes do Mastruz
com Leite, as rádios só tocavam música internacional. Não se consumia o forró
de antigamente. E hoje, com o sucesso renovado do forró provocado por essas
bandas, mesmo o 'pé-de-serra' toca guitarra". Alex rejeita a compra do
"jabá" às rádios para alavancar o sucesso das bandas. "Há uma
inversão aí. Foi o povão quem comprou a ideia das bandas e as rádios vieram
atrás. Veio da classe baixa. Como vamos pagar jabá se não temos dinheiro pra
isso? E outra: não se coloca música ruim em rádio, mesmo com jabá; só o que o
povo gosta de ouvir", rebate.
O empresário também
rejeita a ideia de letras "apelativas". "Quem julga isso é o
povo, que tem gostado, lotado as casas de show. E mesmo Gonzaga tinha música
como Zé Matuto ("Zé Matuto foi à praia só pra ver como é que é/ mas voltou
ruim da bola de ver tanta rabichola/ nas cadeiras das muiés#"). Cultura
pra mim é juntar gente e fazer o povo feliz. É o que importa. E as bandas de
hoje têm feito o povo feliz aqui no Nordeste e no Sul. Por que a música de Flávio
José não chegou à Minas Gerais?", pergunta.
Fonte: O POTI
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